sábado, 27 de setembro de 2008

Vida De Sertanejo



Categoria: Contos

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O sol escaldante faz o Sebastião suar copiosamente. Os duros e longos anos naquela lida nunca o abateu.
O anoitecer de todos os dias o encontra de enxada nas costas, caminhando lentamente para casa. O cansaço é visível, como visível tem sido a fibra e a coragem desse sertanejo durante todos esses anos. Os sucos profundos que marcam sua tez, mostra a idade avançada do pobre homem. Seu olhar calmo e sofrido faz imaginar o quanto de histórias essa alma boa tem vivido no decorrer daquela rude e precária existência.
Ao longe o barulho de um trovão faz o pobre homem levantar o rosto cansado. O inverno está para chegar e se Deus permitir, aquele ano não será todo sofrimento para o Sebastião, pelo menos assim ele espera.
Mais um dia que chega ao final. Ele recolhe o pouco que havia levado para o roçado e ruma para casa. Cada passo dado torna-se cada vez mais dificultoso, é a idade a pesar-lhe sobre os ombros.
Filhos, Deus nunca o permitira te-los. Sua vida se resumia nele e na mulher, a d. Josefa.
Todos os dias ela o espera na cancela.
Repentinamente o Sebastião se sente mais cansado. A enxada parece pesar-lhe bem mais, chegando mesmo a incomodar. Ele tenta se apressar, mas seus passos vão se tornando menores, sua cabeça parece aumentar de tamanho, seus braços mal sustêm a enxada. Seus olhos se embassam e e ele pensa: - Onde está a minha Josefa que não vem em meu socorro?
Mais uma vez ele tenta ir mais rápido, mas não consegue. Nesse momento um pingo de chuva que cai sobre seu ombro quase nú, parece ferí-lo como se fosse uma agulha lhe penetrando na carne. Depois vem mais um pingo de chuva, depois mais outro e outro, refrescando-o apesar de parecer fazer-lhe chagas, e tornando mais lenta a sua cminhada.
Dobrando uma curva do caminho, Tião, como era chamado pela mulher, avista o seu casebre e percebe a ausência de fumaça na chaminé, desesperado tartamudeia para si: - meu Deus! onde andará a minha Zefinha?
Ao longe percebe o cachorrinho que vem latindo ao seu encontro, e em sua alegria quase o derruba. Pela primeira vez não sente a imensa alegria com a euforia do cãozinho, sua preocupação é apenas com a mulher. Já nem lembra mais da sua dificuldade em chegar até alí.
Angustiado ele olha para a sua pequena tapera, e sente-se pequeno, sente o medo tomando conta do seu ser. Os minutos parecem intermináveis. Mais cansaço a lhe dificultar as passadas já trôpegas.
Se aproxima da porteira e percebe o vulto da sua Josefa, imóvel no lugar de sempre. A única diferença das vezes anteriores é que ela não acenara para ele, e está sentada no chão, escorada no tronco de um imbuzeiro, o mesmo que havia servido tantas vezes de escora para ele, quando ficava a contemplar a noite estrelada, admirando a lua enquanto gostosamente deslizava as mãos por entre os cabelos da sua Josefa, sempre enroscando os dedos engelhados nos caracóis dos cabelos macios da mulher, e esta de olhos fechados, deitada sobre uma esteira,colocava a cabeça no colo dele.
As lágrimas escorrem pelo rosto do Sebatião se perdendo por entre os sucos de suas faces e se misturando aos muitos pingos de chuva que já começara a cair.
Lentamente ele se aproxima, deita no chão e deixa a cabeça repousar no colo dela. Ao senti-lo ela abre os olhos e passando as mãos por aquele rosto cansado, murmura: - Pensei que não vinhas mais, quase que não consigo mais te esperar...
Ele beija aqueles dedos finos e alisa aquelas mãos calejadas pela vida de trabalho árduo a que fora acostumada. Beija aquela fronte tão amada e diz: - Tu não podias ir sem mim...
E sentindo uma dor aguda no peito, aperta a mão da Josefa e sente que suas vidas se fundem num derradeiro suspiro.
A chuva fina já não mais os incomoda. O cansaço se foi... A noite chega de mansinho, suavemente as brumas e o silêncio envolvem aqules corpos que já não mais exalam vida. Apenas retrata o amor. O grande amor que vencera todas as dificuldades e todo o cansaço daquela longa jornada. Um uivo doloroso seguido por outro mais triste completa aquele mórbido quadro. Choroso o caõzinho se afasta em direção ao povoado...


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